segunda-feira, 22 de julho de 2013

Índices das histórias e algumas questões

Viva!

Para facilitar a leitura a quem aqui chega pela primeira vez, e porque os capítulos vão sendo exibidos na ordem contrária à que são lidos, decidi colocar um índice no artigo de introdução à história. Assim sendo, os links aqui do lado esquerdo sob o título "Histórias" remetem agora para a introdução de cada uma delas. Parece-me fazer mais sentido.

E quem "apenas" chegar *agora* (seja bem vindo!), pode ter acesso imediato ao início de cada uma delas. Cada link abre uma nova janela de forma a manter o índice sempre aberto, à mão! 

Vejo que algumas pessoas acompanham a leitura dos capítulos. Espero que estejam a gostar! ;)

Quanto à primeira história que aqui partilhei, In the Army, precisa a meu ver de ser reescrita, para que alguns pormenores sejam mais coerentes entre si. Quando tiver tempo para colocar a continuação no papel (leia-se pc), logo penso nisso.

No que refere à história que estou a partilhar no momento, Sob a Marca do Dragão, ainda está a ser escrita, pelo que todas as sugestões de melhoria são bem-vindas! Até porque de tempos a tempos, vou atrás e reescrevo alguma parte. Ainda tenho algumas reservas, por exemplo, quanto ao nome da Irmandade. Não está do meu agrado, mas ainda não encontrei melhor! Alguma sugestão?

Outra questão que levanto a mim própria é que, pelo facto de investir muito mais nos diálogos (externos e internos) do que na descrição do meio envolvente, e na ânsia de avançar até à interacção seguinte, acabo por deixar muitos detalhes para trás. Bem sei que todos temos gostos diferentes, também acerca da leitura que nos satisfaz, mas ainda assim pergunto: sentem muita falta de detalhe? Existem, na vossa opinião, passagens em que esta falta é mais notória? Ideias, sugestões? ;)

Como a próxima etapa da história é a da celebração do Samhuin, a escrita pode levar mais um pouco do que gostaria. Não só porque estou a terminar um outro projecto - entre os afazeres do dia-a-dia, mas também por ser um capítulo que exige descrições mais detalhadas.

Até ao próximo capítulo (ou aos vossos comentários)! ;)
Sofia


Sob a Marca do Dragão - Cap. 8 (parte 2 de 2)

- Nos tempos que correm temos de ser cuidadosos, mas estamos já nos preparativos para a Festa Ancestral. A tua participação é bem vinda.
- Pareceis preocupada com algo. – a voz de Rafael fez-se finalmente ouvir.
- Deveras? Hmm... Mas pareceis mais preocupado do que eu me sinto... Algo que gostarias de esclarecer?
Ele estava certo de ter protegido os seus pensamentos, mas ela parecia ter acesso a mais do que ele permitia.
- Sabendo o que aconteceu com o avô de Diana, será prudente ela participar das festividades? Logo no momento em que o Inverno chega e as trevas se instalam? Na noite em que o consorte da Deusa se torna o Senhor das Sombras e Rei da Morte? – pronto. Já não podia voltar atrás! Teria de assumir o seu receio.

Diana levantara-se, enfrentando-o.
- É mesmo verdade! Estás com medo que siga o caminho que pensas que meu avô seguiu!
- Que penso que ele seguiu?! E o que pensas que aconteceu?!
- Não faço ideia, mas custa-me acreditar que essa seja a verdade!
- Que verdade queres encontrar?
De súbito ele recordou as palavras de Selénia na sua mente: A verdade das diversas faces. Ele queria que ela encontrasse a verdade e ela queria encontrar algo diferente. Mas só poderia existir uma verdade!

- Quantas faces tem esta verdade? – perguntou a Selénia, enfrentando-a.
Ela parecia cerrar os dentes com força. Teria sido a pergunta? Aquele assunto? Ficou intrigado.
- Aquela em que acreditas, aquela em que Diana acredita, aquela que não queres ver, aquela que desconheces... Como vês, uma verdade pode ter muitas faces. – Selénia acabou por responder.
- Mas a verdade só pode ser uma!
- Qual? A tua?

Rafael estava irritado e sentia que lhe faltavam os argumentos.
- A verdade que deixou os nossos dragões em lados opostos! – acabou por responder.
- E essa verdade é de quem?
- É a verdade dos factos! É um facto que os nossos dragões querem a pele um com o outro!
- Deveras? Como pode ser se fazem parte da mesma energia, a mesma magia; a do Dragão. No final é um só.
- Mas está dividido em 6 dragões distintos, 6 formas distintas de magia!...
- Sim, mas de uma mesma família.
- Mesmo no centro da família podem existir guerras e conflitos!
- Causados pela cabeça de cada um, não pelo sangue. A magia, a energia do Dragão é como o sangue que une a família. Parte de algo maior! Imaginas o teu braço a atacar a tua perna?
- Seja! Mesmo que o conflito se tenha iniciado entre as pessoas, de alguma forma contaminou as energias que estes carregam. Por que outra razão o Dragão o alimentaria?!
- Não percebo o que dizes...
- É verdade, Selénia! Os dragões do sol e da lua reagem de forma pouco amistosa entre si!

Selénia olhou ambos e acabou por esboçar um sorriso que os deixou confusos.
- Têm a certeza que estão a interpretar devidamente os sinais?
Diana olhou Rafael. Lembrava perfeitamente aquele momento em que os seus dragões tinham lutado pela vida.
- Não vejo lugar para outra interpretação. – respondeu Diana.
- É verdade que as vossas energias precisam de se acertar, que os vossos dragões têm assuntos pendentes, mas mesmo com diferentes tarefas, o objectivo de ambos é comum!

Rafael achava que aquilo não fazia sentido, mas não queria revelar o seu destino mágico, não na presença de Diana! Procurou mudar o rumo à conversa.
- A minha questão é: será seguro Diana participar na celebração?

Selénia olhou-o de novo com tal seriedade que ele pensou tê-la irritado com a mudança de assunto. Ou seria aquele assunto que a incomodava? Observou-a atentamente, aguardando uma resposta.

- Receias que Diana encontre a sua sombra?
- Receio que esta reclame o controlo... – disse olhando Diana de raspão.
- O que te diz a tua intuiçâo sobre Diana?
Rafael não esperava aquela pergunta.
- ...que nada sabe da magia que carrega!...
- Isso é a tua cabeça a falar.
- ...que é confiável!
Selénia ficou em silêncio.

- Mas não sabe como controlar a magia do Dragão da Lua! Não sabemos como se poderá manifestar esta energia!
- Ouve a tua intuição! Procura a verdade além da verdade que conheces da tua família!
- Como podem ser diferentes?
- Não digo diferentes! Mas agora conheces Diana, podes saber mais do que eles...!
- E o que eles poderão não saber? – Rafael achava que Selénia parecia saber mais do que dizia.

- Não sei o que poderás descobrir, mas sinto que há mais a descobrir por ambos. – disse, como em resposta ao seu pensamento.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 8 (parte 1 de 2)


Quando chegaram ao bosque sagrado, Diana pediu respeitosamente ao Espírito do Lugar para entrar. Apesar de o fazer em silêncio deixou os seus pensamentos a descoberto, convidando Rafael a fazer o mesmo. 
Ao chegarem à cabana, a porta abriu-se, uma vez mais, sem ser necessário bater. Selénia olhou-os e esboçou um leve e sereno sorriso. Diana gostava do seu sorriso.

- Diana. – ela disse num cumprimento, sinalizando-lhe que entrasse.
Rafael olhava-a curioso e Selénia correspondia.
- Tomei a liberdade de trazer companhia. Rafael...
- ...em cujo sangue corre magia e determinação. – terminou Selénia.

Perante a expressão surpresa de Rafael, esta continuou.
- Posso sentir ambos.
- Falei-vos de Rafael. – disse Diana.

O olhar de Selénia continuava fixo em Rafael e este decidiu revelar a sua marca, deixando-a surgir no seu rosto, como se esta esperasse que ele o fizesse.
- Ah... o portador do Dragão do Sol! – Selénia acrescentou. O sorriso tinha desaparecido das suas feições e a curiosidade intensificara-se no seu olhar.

- Soube que Belchior é meu avô! – acabou por dizer Diana, já no interior da cabana.
O interesse de Selénia foi subitamente transferido para Diana, aproximando-se desta.
- O guardião de que falaste?
- Sim.
- Senta-te e conta-me – disse Selénia.

Ambas se sentaram junto do lume aceso e Rafael permaneceu de pé no mesmo sítio, logo à entrada, de braços cruzados, olhando-as e ao espaço em volta.
- Soube que o seu desaparecimento está envolto em mistério e preciso de saber o que aconteceu, encontrá-lo! ...Se for possível!
- E como soubeste? Por Rafael?...
- Sim, finalmente consegui encontrá-lo e ele acabou por contar-me o que sabe.
- E o que sabe Rafael? – perguntou Selénia olhando-o com uma expressão grave.
- A história que existe entre os nossos dragões!...
- Podeis contar-me essa história?

Diana anuiu e contou tudo aquilo que ouvira de Rafael. Este permaneceu o tempo todo em silêncio. Diana tinha acabado de contar o que tinha descoberto e Selénia parecia algo incomodada.
- Mais alguma coisa? Sobre a profecia, os teus pais...?
- Nada mais sei. Como gostava de chegar ao fim desta questão de uma vez!

Rafael estranhava algo naquela mulher que olhava Diana como se esperasse ouvir mais revelações. Não se tinha atrevido a aproximar-se dela ou da sua mente - que poderes teria? Mas estava agora disposto a fazê-lo. Assim que procurou ouvir os seus pensamentos, ela olhou de súbito para si como se o percebesse. Seria?

«- O que queres?» – ele ouviu-a na sua mente.
Estava certo que ela tinha percebido a sua tentativa. Respondeu-lhe da mesma forma, na sua mente.
«- Ajudar...!?»
«- Diana?»
«- ...Quero ajudá-la a descobrir a verdade.»
«- Ah... a verdade das diversas faces. E que face queres que ela descubra?»
Rafael sentiu-se desconcertado.
«- Que diversas faces são essas?»
Do outro lado apenas silêncio. Rafael deu uns passos na direcção de ambas, insistindo com Selénia.
«- De que falais? Só conheço uma verdade!»
«- Estás certo disso?»

Antes que Rafael conseguisse responder, Selénia voltou a falar para Diana, resgantando-a de seus pensamentos.
- O que pensas desta história?
- O que posso pensar?
- O que te diz a tua intuição?
-  Que há muito por descobrir!?... Que há mais para além das evidências!

Selénia segurou a mão de Diana carinhosamente.
Rafael sentia que havia algo que não conseguia descortinar, embora lhe parecesse poder confiar em Selénia. Ela parecia nutrir verdadeiro afecto por Diana e isso parecia dar-lhe alguma segurança, mesmo que não soubesse explicar porquê.

- Vieste contar-me? – acabou por perguntar Selénia.
- Vim pedir-vos ajuda! Preciso de encontrar Belchior, saber o que aconteceu! Preciso de compreender o que me tem acontecido, aprender a controlar a magia do Dragão da Lua!...
- E que ajuda necessitas de mim? – perguntou de forma serena como se procurasse acalmar Diana.
- Por favor, voltai a chamar a mim a Visão!
Selénia olhava-a séria. Olhou Rafael e voltou a olhar para Diana.
- Em breve será o Samhuin, a altura ideal para pedir a ajuda de minha mãe, meu pai... e talvez do meu avô!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 7 (parte 2 de 2)



Passado algum tempo e mais recomposta, Diana acabava por falar.
- Porque é que os nossos dragões querem a pele um do outro? - perguntava.
Rafael hesitou, mas não o podia adiar mais.
- Belchior, o teu avô materno, guardião do dragão da lua recebeu uma missão com o intuito de proteger a continuidade da irmandade. Ele tinha de acabar com a vida de um influente sacerdote da nova fé, que desconfiava das práticas de alguns elementos da irmandade e colocava em causa a sua existência. O meu avô acompanhou-o na missão... Esse homem foi morto, mas Belchior desapareceu, convenientemente, e Edgard, meu avô, foi acusado de bruxaria e morto por tal.

Diana ouvia em silêncio.
- Não conseguíamos perceber como o tinham conseguido, como tinham ludibriado o dragão ou inibido o seu poder até que descobrimos a razão! Era Belchior quem estava por trás da sua captura! - Rafael apertou os maxilares, mastigando aquele pensamento.
- Mas porquê?!
- Belchior cultivava, em segredo, um outro lado do seu poder...
- Outro lado?!...
- Ele reverenciava e servia o lado sombra da Deusa e do seu consorte! - Rafael respondeu olhando-a, agora de frente.

- Como assim?
- O lado do ciúme, do desejo, da posse, do ódio e da vingança... – continuou - Provavelmente querendo o poder dos dois dragões para si, não sei!...
- Mas o que aconteceu?
- Quando soubemos o que tinha acontecido, um tio meu procurou o sacerdote da nova fé que tinha investigado o caso. Ele foi até lá como membro da irmandade, pois considerou perigoso identificar-se como familiar. Esse homem contou-lhe sobre uma profecia que dizia que um guardião das sombras se revelaria atentando contra a fé na última Lua Negra antes de Ostara. Estava destinado que esse guardião das sombras tiraria a vida de um homem que semeava a fé e ameaçava o recuo das trevas. A missão foi incumbida a Belchior e bem sabemos que Edgard nada tinha a ver com as trevas que essa profecia refere!
- Então não sabem ao certo quem matou esse homem?
- Belchior, claro! Só poderia ter sido ele!... O mesmo sacerdote contou como Edgard foi encontrado junto de um cenário aterrador e em chamas, com símbolos de bruxaria e dizendo coisas sem sentido, debatendo-se com uma força de vários homens.
- Para esses homens as marcas que carregamos são símbolos de bruxaria e não me parece que concordes com a sua opinião.
- Claro que não! Os sacerdotes da nova fé diziam que ele tinha sucumbido sob o poder das trevas ou cedido o seu corpo a um ser demoníaco. Diziam que durante o julgamento que lhe fizeram, ele parecia por vezes conjurar algum poder malévolo, mas que o poder dessa fé foi mais forte e o venceu. Acredito que ele estaria apenas a procurar socorrer-se do seu poder, mas ainda sob o efeito de alguma outra magia. Não podes negar que algo de tenebroso se terá passado!

Pela forma como ele se movimentava de um lado para o outro e pela sua expressão, Diana notava como aquele assunto o afectava.
- Apenas sei o que estou a ouvir e digo que ainda não ouvi nada que provasse o quer que fosse contra Belchior ou mesmo Edgard!...

Rafael olhava-a perscrutando a sua mente, mas ela parecia continuar de guarda. Defendia Belchior? Decidiu continuar.

- Ninguém pôde assistir a esse julgamento nem deixaram que Edgard recebesse visita da sua família, mas meu pai procurou-o em espírito, através do poder do dragão. E o que ele encontrou foi uma mente mergulhada na escuridão. O que ele dizia não fazia sentido, mas repetiu algumas vezes o nome de Belchior como se quisesse contar alguma coisa.
- Mas não sabem o que queria dizer!...
- Podemos calcular. O meu pai sentiu algo mais na mente de Edgard... Vestígios da energia do dragão da lua! - dizia olhando-a com atenção.
- Vestígios?

Rafael aproximou-se.
- Da mesma forma que senti a tua energia quando me derrubaste perto da praça, naquele dia... Assim como sentiste a minha energia há pouco. Ele sentiu a energia do dragão da lua presente na mente de Edgard. Parecia, de alguma forma, estar sob o poder de Belchior. Foi fácil juntar as peças... Foi um choque para todos, mas as evidências apontam para a traição de Belchior!

Diana não sabia o que pensar, mas diversas perguntas se levantavam no seu espírito.
- E o que fizeram?
- O que podia ser feito? Procurámos Belchior, mas o cobarde simplesmente desapareceu!
- Nunca apareceu?
Rafael abanou a cabeça.
- Nunca mais foi encontrado.
- E o que fizeram?
- Se não foi encontrado nada pôde ser feito.

Não era o momento de dizer-lhe mais, pensava Rafael. Se ela nada tinha sabido até então...! Ele não conseguia perceber no que ela estaria a pensar. Desconfiaria de alguma ligação entre aquela história e a morte de seus pais?

Diana olhava-o, claramente com alguma questão em mente.
- E sobre os meus pais, o que sabes? - acabou por perguntar.
O que responder-lhe?, pensava.
- Que algo de trágico aconteceu e se pensava que toda a família tinha morrido; quem sabe talvez até Belchior, algures escondido na casa.
- Minha mãe pressentiu o perigo e tirou-me de lá a tempo. Mas se ela pediu a Alba que procurasse Belchior caso algo lhes acontecesse, é porque ele não estava lá!
- E que perigo pressentiu a tua mãe? - perguntou Rafael.
- É o que gostaria de saber... Poderia ser apenas o incêndio!

Enquanto ambos mergulhavam nos seus pensamentos sobre o passado, o presente e o futuro, instalou-se o silêncio.

- Preciso de encontrar Belchior ou saber o que aconteceu com ele!
- A minha família procurou-o durante anos sem qualquer êxito!
- Deve haver uma forma... Alguém que possa ajudar?! - Diana pensava em Selénia.
- Quem?
- Não sei, mas preciso encontrar quem me ajude a compreender e a controlar esta magia que carrego e não conheço! – disse enquanto caminhava de um lado para o outro.
- Os druidas da Irmandade podem ajudar-te.
- E dizer-lhes que tenho a marca do dragão?! Ficar ao seu serviço?! Não é uma ideia que me agrade.
- Mais tarde ou mais cedo terão de saber!
- Prefiro mais tarde do que mais cedo; ganhar tempo para saber o que fazer quanto a isso. Primeiro tenho de esclarecer o passado.
- ...
- E o que disseram os druidas sobre o que aconteceu?
- Perante as evidências, nada mais havia a dizer!

Diana voltou a aproximar-se, curiosa sobre a possibilidade de existência de um caminho que não tivesse sido explorado.
- E para além das evidências?
- Procuras defender Belchior?!
- Procuro compreender o que aconteceu!
- Nada mais existe que as evidências!

Rafael respirou fundo, procurando acalmar-se.
- Quem mais poderá ajudar-te senão os druidas? – continuou.
Diana olhou nos seus olhos.
- A minha ajuda seria muito básica. - disse, como se adivinhando o seu pensamento - Precisas de alguém que conheça o poder do teu dragão!
- Preciso de encontrar Belchior! – disse suspirando.

Diana sentia que pisar aquele terreno era como andar em círculos. A chave seria Belchior, mas como encontrá-lo?
- E se pedir a ajuda da Deusa? Dos meus antepassados? Ainda nesta lua teremos a celebração de Samhuin. O momento em que o véu entre os mundos se encontra mais fino será a altura apropriada para fazê-lo!

Essa era uma possibilidade que não o tranquilizava.
- O que estás a pensar fazer?
- Pedir ajuda a alguém. - dizia, enquanto pensava se seria seguro falar-lhe em Selénia. Porque não? Ele usava a magia!

- A alguém? Quem?
- Selénia, a Senhora do Bosque.
- Selénia, a feiticeira?!
Diana anuiu em silêncio.
- Não sei se será uma boa ideia!
- O que receias que aconteça?
Ele hesitou na resposta.

- O efeito que poderá ter sobre ti! – disse segurando o pulso de Diana, virando-o, como se procurasse recordá-la do seu dragão - Ainda não conheces o poder do teu dragão, como se manifestará ou como controlá-lo!

Ela soltou o seu pulso e afastou-se pensando em silêncio, mantendo-o de fora. Na sua mente surgia uma imagem de um homem envolto em trevas, do qual se destacava um olhar malévolo e um sorriso de satisfação. Pensava que a imagem que Rafael criara do seu avô devia estar a influenciar o seu julgamento. Afastou aquela imagem perturbadora, mas ficara presente uma ideia que a fez voltar-se para Rafael e olhá-lo com atenção.

- O que receias realmente? – acabou por perguntar.
- Disse-te que receio o efeito...
- Digo para além disso? - voltou a perguntar, interrompendo-o.
- Não estou a perceber...
- Receias talvez que encontre o meu avô e lhe siga as pisadas?
Ele calou a resposta.

- Ou talvez, pelo contrário, queiras que o encontre!... O que lhe aconteceria, então? Tu mesmo disseste que a tua família o procurou durante anos para fazer justiça!

Ela olhava-o com insistência, procurando ler algo, mas nada conseguia captar da sua mente. Aliás, estava convencida que esse era um poder que o seu dragão não lhe daria.
- Não me parece que o encontres. Acredito que de alguma forma já não vive entre os homens. – dizia Rafael, procurando escapar à pergunta que não queria ou não sabia responder. Ou talvez até soubesse! Se Belchior estivesse vivo, o seu destino mágico voltaria a ter sentido e seria fácil de cumprir! Poderia ser?

- Não sei se essa mulher é de confiança! – acrescentou, procurando dar outro rumo àquela conversa.
- Eu confio em Selénia!
- Conhecei-la?!
Diana anuiu.

- Ela sabe o que procuro e dispôs-se a ajudar. Poderá ajudar-me nesta busca... pelo menos chamando até mim a Visão! Qualquer pormenor que possa descobrir pode ser importante!
- Como é Selénia? 
- Parece-me ser uma boa mulher, disposta a ajudar, com boas palavras... Sinto dela uma energia forte e... muita tranquilidade! – terminou, olhando-o.

Teria de conhecê-la, pensava. Sentia que precisava de ficar de olho em Diana. E se ela encontrasse, de facto, Belchior? Claro que não poderia ser! Se ele estivesse vivo, não ficaria escondido ao descobrir o que tinha acontecido à sua família! A não ser que o guardião das trevas, como a tal profecia o chamava, não se importasse com o destino daqueles que tinham crescido sob a sua alçada! Poderia ser? E se assim fosse e Diana o encontrasse? Ela também poderia correr perigo! Ou não? Suas divagações não faziam qualquer sentido! Mesmo que não se importasse com a sua família, ele iria continuar atrás do dragão do sol, já que existiam descendentes adultos! Ou mesmo de outro dragão!? Não fazia sentido simplesmente desaparecer; era óbvio que este se encontrava morto! Preocupava-se em vão.

Diana repetia o nome de Rafael, tocando-lhe agora no braço para o resgatar dos seus pensamentos. Ao fazê-lo voltou a ver na sua mente a imagem dos seus dois dragões completando o círculo. O que poderia significar? Porque surgia tantas vezes nas suas ideias?

- Desculpa!... Revia tudo o que sei à procura de algo que me pudesse ter escapado e que pudesse ajudar!
- Se nada mais encontras, resta-me procurar Selénia.
- Posso ir contigo? – Diana parecia não saber o que responder – Talvez o dragão do sol possa lançar alguma luz sobre a tua demanda!
- Parece-me que já experimentei a luz do teu dragão e não me ajudou a ver com mais clareza!
- Na dose certa...! - disse ameaçando um sorriso e levantando as sobrancelhas.
- Parecias estar sempre a fugir do assunto e agora queres participar da minha demanda?!
- Agora já conheces a história!... E também gostaria de compreender o porquê!
- E se encontrarmos Belchior?
Ele riu.

- Não me parece possível. Mas quero saber o que lhe aconteceu!
- Não sei porquê, mas os meus instintos continuam a dizer-me que posso confiar em ti!
- ...Sim, podes. – acabou por responder, surpreendido pelo facto de Diana parecer confiar mais em si do que ele próprio. Não deveriam ser os seus instintos a falar, mas a sua ingenuidade, pensava. Iria, no entanto, ajudá-la. Também queria saber mais. Queria saber porque o seu destino mágico não se alterara.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 7 (parte 1 de 2)


O latejar do dragão sob a pele do seu pulso e antebraço chamava a sua razão para a realidade à sua volta. Diana abria os olhos, piscando-os face à luz do dia e recordando o clarão que a tinha deixado desacordada. Olhou em volta e viu Rafael chegando junto a si. Recordou-se da morte que testemunhara e reagiu instintivamente, tentando afastar-se dele. Foi quando notou que as suas mãos e os seus pés estavam atados. Não podia fugir, pensava. Sentia-se alarmada, mas precisava manter a calma para encontrar uma solução. Rafael tinha-lhe dito uma vez que ela o tinha deixado desacordado. Como o teria feito? Ela só se lembrava do grito e da imagem da noite cerrada sem luar!...

Rafael olhava-a, tentando ler os seus pensamentos, mas Diana parecia ter-se prevenido.
- Onde estamos? O que queres de mim?
- Precisava de pensar no que fazer...
- O que vais fazer comigo?
- Não quero fazer-te mal, descansa.
- E porque estou atada?

Diana sentiu-o hesitar antes de responder. Sentia algo de diferente em Rafael, mas não percebia o quê. Também não se sentia mais alarmada, apenas curiosa, o que lhe causava estranheza.
- Precisei afastar-me um pouco... não quis arriscar chegar aqui e não te encontrar. - disse enquanto desembainhava o seu punhal e chegava mais próximo.

Rafael baixou-se e cortou a corda que atava os pés de Diana, aproximando-se de seguida para cortar a que prendia as suas mãos. Cortou-a, mas não se afastou. Continuava a olhar Diana, enquanto o punhal voltava à sua bainha e Diana esfregava os pulsos. Os olhos de Diana pousaram, então, nos seus e ali ficaram por algum tempo.

Diana sentia o seu dragão latejar mais do que alguma vez sentira. Desta vez parecera-lhe ver, pelo canto do olho, o sol do dragão de Rafael reluzir. Olhou o dragão. Nada acontecia, mas voltara a sentir-se alarmada. Voltou a olhar os olhos de Rafael e encontrou-os pousados na sua boca. Rápida e quase instintivamente, Diana desembainhara o punhal de Rafael para o encostar à sua garganta.
Rafael não o esperava, encontrava-se distraído, pensava. Ainda assim, como ela o conseguira fazer sem que ele o antevisse? Não sentia no entanto qualquer agressividade da sua parte.

Diana empunhava o punhal com as duas mãos, empurrando-o ligeiramente para que ele se afastasse. Rafael colocou a sua mão sobre as de Diana e forçando a lâmina contra a sua pele. Diana contraiu os braços de imediato, puxando-o de volta. Rafael sorriu.
- Tu não queres fazer-me mal!
Diana hesitou na resposta.
- Verdade. Não quero. Mas não hesitarei em fazê-lo se necessitar de me proteger!
- Não duvido! - respondeu Rafael sorrindo ao mesmo tempo que levantava as sobrancelhas - Se quisesse fazer-te mal já o teria feito. Não é meu hábito deixar testemunhas!
Dizendo-o, levantou-se, afastando-se dela. Diana continuou de punhal apontado na sua direcção, até considerar que este se encontrava a uma distância segura. Levantou-se, então, baixando o punhal.

- Hábito?! Isso significa que costumas andar por aí a matar pessoas!?...
- É tempo de conheceres mais sobre a responsabilidade dos portadores do dragão...
Diana aguardava, ansiosa, as suas palavras.
- O dragão e os portadores do seu poder servem e guardam a Irmandade do Amparo. A Irmandade cobre-se com os símbolos e roupagem da nova fé, mas o seu verdadeiro objectivo é proteger os conhecimentos dos antigos, o que é perigoso nos tempos que correm. A nós cabe-nos proteger os seus membros e pôr fim às ameaças que sobre eles possam pender. As missões são-nos entregues para serem executadas e não nos cabe a nós avaliar o seu alcance!

Mas Diana não podia evitar avaliar o alcance daquelas palavras e o tipo de missões que seriam encomendadas aos guardiões.
- Cada dragão-elemento fica residente na sua respectiva célula da irmandade - existem 5! O dragão da terra encontra-se na célula que fica a Norte, o dragão do fogo na que fica a Sul, o do ar a Este e da água a Oeste. Os dragões do sol e da lua circulam por todas as células, de acordo com as necessidades, reportando à célula central.
- E que tipo de missão era esta? - perguntou Diana.

Rafael permaneceu alguns momentos em silêncio, pensando no que deveria dizer.
- Este trabalho não foi pedido pela irmandade. - dizia, olhando-a atentamente.

Diana permanecia em silêncio, julgando ter sido um crime a soldo. O que a tinha feito pensar que podia confiar nele? Não se lembrava mais.
- Foi um pedido particular... - continuava ele - de uma mãe que queria ver terminados os abusos constantes a si e às suas filhas, perpetrados por aquele sentinela arrogante!
- E o que recebeste em troca?
- Um medalhão que pode valer uma boa cama... e néctar!
- Essa irmandade não providencia cama e néctar os seus guardiões? 

Acaso a sua expressão não o indicasse, o tom da sua voz deixava transparecer o seu desagrado. Rafael sorriu, aproximando-se e estendendo a mão enquanto olhava o seu punhal, ainda na mão de Diana.
- Como saberei se posso confiar em ti? Ainda há pouco me encontrava de mãos e pés atados!...
- Porventura não te soltei?
- Como posso confiar em alguém que é pago para resolver problemas pelas armas?

Rafael continuou a aproximar-se, chegando junto a si.
- Que risco corro? Tu também tens uma marca da magia na tua pele. Arriscar-te-ias a contar algo?
Diana olhou o seu pulso e ele continuou como se concluísse um outro pensamento.
- Com o poder do dragão da lua!... Chegará o momento em que o teu serviço será cobrado.
Diana permanecia em silêncio. Tal perspectiva deixava os seus cabelos em pé.

Rafael voltou a estender a mão, desta vez junto da sua, e o punhal foi-lhe devolvido, voltando à sua bainha.
- Como posso esconder a minha marca? - perguntou Diana com os olhos postos no seu pulso, afagando-o com a outra mão.

Diana levantou o olhar e observou-o em silêncio, até que ele respondeu.
- Pensa no teu dragão a recolher-se no interior do teu corpo.
Ela desatou o punho, descobriu o pulso e olhou o seu dragão, fixamente, por algum tempo.
- Nada acontece!... - disse finalmente.
- Calma. - respondeu ele, levando a sua mão à de Diana e segurando-a - Fecha os olhos.
Diana olhou-o demoradamente.
- Fecha os olhos! - repetiu.
Decidiu confiar, fechando-os.
- Vê nos teus pensamentos, o teu dragão espreitando através da tua pele. Consegues vê-lo?
Ela anuiu silenciosamente, sentindo a mão de Rafael formigar sob a sua e um estranho formigueiro subindo pelo seu pulso.
- Agora vê-o recuar dessa espécie de janela, para dentro do seu abrigo, recolhendo-se, escondendo-se. Até tu deixas de o ver!
Rafael não precisava perguntar mais nada, podia ver os seus pensamentos e podia ver o dragão da lua desvanecer-se sob a pele do antebraço de Diana.
- Agora que o teu dragão se recolheu às profundezas do seu abrigo, abre calmamente os teus olhos.
Diana abriu os olhos e olhou Rafael. Este sorriu indicando-lhe que olhasse para o seu antebraço. Diana fê-lo e sorriu maravilhada na ausência da sua marca. Voltou a olhar Rafael. Ele devolvia-lhe a atenção. Também podia sentir a energia fresca de Diana.

- Já sabes que consegues e como o podes fazer. – acabou por dizer.
- Consegui porque me ajudaste! Posso senti-lo!
Após um olhar demorado, Rafael largou a sua mão.

- Sentiste a minha energia a ligar-se com a tua. Só potenciei aquilo que se encontra em ti! Tu consegues fazê-lo! O poder do dragão corre nas tuas veias! – Terminou olhando novamente a marca do dragão Diana.

 Diana voltou a olhar a pele do seu pulso e voltou a sorrir pela ausência do seu dragão. Este apareceu de imediato, desvanecendo-se o seu sorriso.
- Vês?! Desapareceu!
- As nossas energias já não estavam ligadas. Eras tu a fazê-lo! Só tens de treinar a tua concentração e confiar em ti mesma.

Na mente de Diana, surgiu uma imagem que lhe era familiar: a de ambos beijando-se, sentindo-se mutuamente. Rafael captara a imagem. Olharam-se demoradamente. Ele aproximou-se ainda mais e, num ímpeto, dirigiu os seus lábios aos dela. Diana respondeu ao seu avanço sem pensar, devolvendo-lhe o beijo. Sentiu não o controlar.

No momento seguinte o seu coração falhou um batimento. Ela assustou-se, mas continuava a sentir que não o conseguia controlar. Sentiu o seu coração falhar nova batida e o ar a deter-se de entrar no seu corpo. Momentos depois o coração voltou a bater e o ar a voltar a entrar, fresco, no seu peito. No momento seguinte nova paragem, sem conseguir respirar, sem conseguir que o sopro vital animasse o seu ser. E, uma vez mais, voltando ao normal. A cada batida que o seu coração falhava e a cada respiração frustrada, o sufoco se tornava maior, o ar mais necessário e as forças iam fraquejando, naquilo que Diana sentia como uma luta entre os dragões, uma luta pelo ar que respiravam e pela vida que fazia com que os seus corações continuassem a bater. Não percebia porque o seu coração ou os seus pulmões pareciam obedecer a esta estranha luta que parecia acontecer apenas na sua mente. Será que era apenas a sua mente? Será que era uma ilusão, fruto da magia? Parecia-lhe deveras real! A cada batida que sentia o seu coração falhar, ela via na sua mente o dragão do sol fortalecer-se. Quando o seu coração batia, parecia travar uma luta interna para recuperar as forças, o ar e a própria vida. A um ritmo que fugia à sua vontade, esta luta arrastou-se por aquilo que lhe pareceu uma eternidade, embora ameaçando o fim a qualquer instante.

Num esforço desesperado e reunindo todas as suas forças, Diana conseguiu afastar-se de Rafael e quebrar aquele beijo que parecia sugar-lhe a vida. Recuperando o fôlego e as forças, olhou então Rafael a uma distância segura. Teria sido imaginação sua? Uma luta entre dragões? Rafael também parecia ofegante! Sentia-se enfraquecida, mas o seu dragão vivo, em si.


Rafael não contava com o que tinha acabado de acontecer, mas pensava que só podia ter a ver com o seu destino mágico.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 6 (parte 2 de 2)


Reiniciaram viagem e ainda demorou um pouco até que Rafael respondesse.
- Tornando uma longa história curta, o meu avô foi morto graças ao teu avô. - disse de uma forma seca, embora controlada.
- O que aconteceu?
- Foi preso e morto, acusado de bruxaria pelos sacerdotes da nova fé...
Diana aguardava por mais em silêncio, mas Rafael nada dizia.
- E o que teve o meu avô a ver com essa história? - acabou por perguntar.
- Atraiçoou-o! - respondeu, visivelmente afectado pelo que contava.
- Como?
Rafael pressionava os maxilares, mastigando aquele assunto do qual não lhe apetecia falar. Providencialmente tinham acabado de chegar às portas da citadela, facto que aproveitou sem demora.
- Chegámos! Lamento, mas teremos de terminar por aqui. Tenho assuntos a tratar de imediato.
- Está a tornar-se um hábito deixarmos conversas a meio...
Diana desmontou do cavalo e recordava um outro assunto que ficava sempre por perguntar.
- Preciso saber como escondes o teu dragão! - perguntou.
A pergunta apanhou-o desprevenido, mas a mudança de tema foi para si um alívio.
- Vou ficar por aqui uns dias. - acabou por responder - Voltamos a falar e explico-te como o faço.
Diana não se resignara, mas sentia alguma satisfação por Rafael se ter comprometido a falarem naqueles dias.
- Onde nos encontramos?
- Eu encontro-te. - respondeu Rafael.
Fez um aceno com a cabeça e partiu a cavalo.

No segundo dia após a visita a Selénia, ainda não tinha tido notícias de Rafael. Diana pensava que deveria ter-lhe arrancado o final da história naquele momento, não o deixando ir sem que terminasse. Mas não o tinha feito! Deixavam sempre um assunto a meio, o que começava a tornar-se irritante. Nunca sabia quando o voltaria a ver! Decidiu então dar uma volta pela vila, esperando encontrá-lo.

Rafael tinha terminado o assunto que o levara ali e já tinha outro em mãos. Uma aldeã veio ter consigo pedindo-lhe que resolvesse um problema que sentia há já demasiado tempo. Pedira-lhe que terminasse com a vida de um sentinela que abusava da sua posição privilegiada e a ameaçava constantemente e ao seu marido, abusando fisicamente de si e das suas duas filhas. Não conseguindo tolerá-lo mais, procurara resolver o assunto pelas suas próprias mãos. Ela contara-lhe não ter conseguido o seu intento e só ter piorado a sua situação, pelo que tinha recorrido à sua ajuda. Oferecera-lhe um medalhão de família que ainda tinha algum valor. Rafael apenas aceitara o medalhão perante a sua insistência, pois nada lhe custaria restituir a honra e harmonia àquela família. Fá-lo-ia de bom grado. E era esse o assunto que tratava no momento. Seguira o sentinela até ao local onde se celebravam os rituais da nova fé, um lugar a que chamavam de igreja e que ficava próximo da praça principal e das casas dos nobres da vila. Tinha de esperar. O sentinela fazia parte da guarda que parecia ter sido destacada para acompanhar um sacerdote que vinha de fora. Porquê ou do quê precisariam protecção é que ele não conseguia imaginar. Mas tinha-os seguido até ali. Alguma cerimónia se iria realizar, o que talvez lhe providenciasse a distracção necessária para cumprir a sua missão naquele momento. Sabia por experiência própria que os locais com mais pessoas podiam prover maior protecção e possibilidade de fuga.

Diana acabara de sair da praça quando avistou Rafael a entrar no local onde se iria realizar um rito cerimonial da nova fé. Estranhara a sua presença ali. Não fosse ele conseguir esconder a sua marca e aquele seria um lugar demasiado perigoso. Ela não se sentia confortável em entrar ali, mas o punho em pele tapava a sua marca e queria falar com Rafael. Resolveu encontrá-lo no interior.

Rafael reconhecia o espaço, localizava as saídas e possibilidades de refúgio no interior. Após a entrada dos sacerdotes por um corredor central, diversos sentinelas dispersaram por corredores laterais. O sentinela que vigiava encontrava-se entre estes. Através de olhares e comportamentos que permitiriam imaginar alguma intenção duvidosa, Rafael conseguiu atrair o sentinela até um canto mais solitário, aguardando-o por trás de uns reposteiros em tom escarlate.

Diana entrara no local e, olhando em volta, avistou Rafael na lateral, vindo na sua direcção e desaparecendo por trás de umas pesadas cortinas. Acelerou então o passo, aproximando-se das mesmas, sem ver que um sentinela o seguia, também na sua direcção. Diana chega no momento em que Rafael espeta o punhal no peito do homem e fica parada, perplexa, sem saber como reagir. Rafael deixa o corpo cair, retirando a sua arma, e olha em volta, quando vê Diana. A primeira reacção desta, frente ao seu olhar, foi fugir. Rafael reage rapidamente, agarrando-a pela cintura, o que a fez soltar um gemido quase mudo. Diana debate-se, tentando soltar-se sem sucesso. Rapidamente volta a arrastá-la para trás das pesadas cortinas, procurando não chamar a atenção das pessoas em volta.
- Se não parares de te debater, não vou pensar duas vezes em usar a minha lâmina!
Diana parou, ainda sem saber o que pensar, dizer ou fazer, perante aquela situação.
- Assim está melhor! Vamos sair pela porta e atravessar a praça. Trata de passares despercebida. - dizia, dando-lhe o braço para ela segurar e soltando-a devagar.

Ela segurou o seu braço e sentiu a lâmina do punhal encostada às suas costelas, escondida pelo braço de Rafael. Assim atravessaram a praça, de passo apressado e o mais naturalmente possível.
- Deixa-me ir! Prometo que nada conto! - tentou Diana.
- Continua a andar. - respondeu ele, repartindo a sua atenção entre Diana e os aldeões em volta.

Estava habituado a não deixar testemunhas, mas não queria mal a Diana. Não sabia o que faria depois, mas, naquele momento, o objectivo era distanciar-se o mais possível da praça e das outras pessoas, depressa e sem dar nas vistas.

Ao passar as portas da citadela e se afastarem do caminho principal, Diana pensava que quanto mais se afastassem, mais difícil seria fugir-lhe. Tomou então coragem e libertando suavemente o braço de Rafael, afastou-se da lâmina do seu punhal, correndo o mais que podia de volta ao caminho. Rafael rapidamente a alcançou e imobilizou. Sem pensar duas vezes e embainhando o punhal, agarrou Diana pela cintura colocando-a no seu ombro e segurando-a pelas pernas como se de um saco de bens se tratasse.
- Larga-me! Põe-me no chão! - gritava Diana, investindo nas suas costas com os punhos fechados.

De súbito, um clarão surgiu na mente de Diana, trazendo um torpor. Não conseguia pensar claramente. Fechava os olhos, mas era como se olhasse o sol de frente e a sua luz intensa não permitisse vislumbrar nada em volta. Até tudo ser luz e a sua consciência ceder.

Rafael avançava carregando ao ombro, uma Diana agora adormecida.