terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 6 (parte 2 de 2)


Reiniciaram viagem e ainda demorou um pouco até que Rafael respondesse.
- Tornando uma longa história curta, o meu avô foi morto graças ao teu avô. - disse de uma forma seca, embora controlada.
- O que aconteceu?
- Foi preso e morto, acusado de bruxaria pelos sacerdotes da nova fé...
Diana aguardava por mais em silêncio, mas Rafael nada dizia.
- E o que teve o meu avô a ver com essa história? - acabou por perguntar.
- Atraiçoou-o! - respondeu, visivelmente afectado pelo que contava.
- Como?
Rafael pressionava os maxilares, mastigando aquele assunto do qual não lhe apetecia falar. Providencialmente tinham acabado de chegar às portas da citadela, facto que aproveitou sem demora.
- Chegámos! Lamento, mas teremos de terminar por aqui. Tenho assuntos a tratar de imediato.
- Está a tornar-se um hábito deixarmos conversas a meio...
Diana desmontou do cavalo e recordava um outro assunto que ficava sempre por perguntar.
- Preciso saber como escondes o teu dragão! - perguntou.
A pergunta apanhou-o desprevenido, mas a mudança de tema foi para si um alívio.
- Vou ficar por aqui uns dias. - acabou por responder - Voltamos a falar e explico-te como o faço.
Diana não se resignara, mas sentia alguma satisfação por Rafael se ter comprometido a falarem naqueles dias.
- Onde nos encontramos?
- Eu encontro-te. - respondeu Rafael.
Fez um aceno com a cabeça e partiu a cavalo.

No segundo dia após a visita a Selénia, ainda não tinha tido notícias de Rafael. Diana pensava que deveria ter-lhe arrancado o final da história naquele momento, não o deixando ir sem que terminasse. Mas não o tinha feito! Deixavam sempre um assunto a meio, o que começava a tornar-se irritante. Nunca sabia quando o voltaria a ver! Decidiu então dar uma volta pela vila, esperando encontrá-lo.

Rafael tinha terminado o assunto que o levara ali e já tinha outro em mãos. Uma aldeã veio ter consigo pedindo-lhe que resolvesse um problema que sentia há já demasiado tempo. Pedira-lhe que terminasse com a vida de um sentinela que abusava da sua posição privilegiada e a ameaçava constantemente e ao seu marido, abusando fisicamente de si e das suas duas filhas. Não conseguindo tolerá-lo mais, procurara resolver o assunto pelas suas próprias mãos. Ela contara-lhe não ter conseguido o seu intento e só ter piorado a sua situação, pelo que tinha recorrido à sua ajuda. Oferecera-lhe um medalhão de família que ainda tinha algum valor. Rafael apenas aceitara o medalhão perante a sua insistência, pois nada lhe custaria restituir a honra e harmonia àquela família. Fá-lo-ia de bom grado. E era esse o assunto que tratava no momento. Seguira o sentinela até ao local onde se celebravam os rituais da nova fé, um lugar a que chamavam de igreja e que ficava próximo da praça principal e das casas dos nobres da vila. Tinha de esperar. O sentinela fazia parte da guarda que parecia ter sido destacada para acompanhar um sacerdote que vinha de fora. Porquê ou do quê precisariam protecção é que ele não conseguia imaginar. Mas tinha-os seguido até ali. Alguma cerimónia se iria realizar, o que talvez lhe providenciasse a distracção necessária para cumprir a sua missão naquele momento. Sabia por experiência própria que os locais com mais pessoas podiam prover maior protecção e possibilidade de fuga.

Diana acabara de sair da praça quando avistou Rafael a entrar no local onde se iria realizar um rito cerimonial da nova fé. Estranhara a sua presença ali. Não fosse ele conseguir esconder a sua marca e aquele seria um lugar demasiado perigoso. Ela não se sentia confortável em entrar ali, mas o punho em pele tapava a sua marca e queria falar com Rafael. Resolveu encontrá-lo no interior.

Rafael reconhecia o espaço, localizava as saídas e possibilidades de refúgio no interior. Após a entrada dos sacerdotes por um corredor central, diversos sentinelas dispersaram por corredores laterais. O sentinela que vigiava encontrava-se entre estes. Através de olhares e comportamentos que permitiriam imaginar alguma intenção duvidosa, Rafael conseguiu atrair o sentinela até um canto mais solitário, aguardando-o por trás de uns reposteiros em tom escarlate.

Diana entrara no local e, olhando em volta, avistou Rafael na lateral, vindo na sua direcção e desaparecendo por trás de umas pesadas cortinas. Acelerou então o passo, aproximando-se das mesmas, sem ver que um sentinela o seguia, também na sua direcção. Diana chega no momento em que Rafael espeta o punhal no peito do homem e fica parada, perplexa, sem saber como reagir. Rafael deixa o corpo cair, retirando a sua arma, e olha em volta, quando vê Diana. A primeira reacção desta, frente ao seu olhar, foi fugir. Rafael reage rapidamente, agarrando-a pela cintura, o que a fez soltar um gemido quase mudo. Diana debate-se, tentando soltar-se sem sucesso. Rapidamente volta a arrastá-la para trás das pesadas cortinas, procurando não chamar a atenção das pessoas em volta.
- Se não parares de te debater, não vou pensar duas vezes em usar a minha lâmina!
Diana parou, ainda sem saber o que pensar, dizer ou fazer, perante aquela situação.
- Assim está melhor! Vamos sair pela porta e atravessar a praça. Trata de passares despercebida. - dizia, dando-lhe o braço para ela segurar e soltando-a devagar.

Ela segurou o seu braço e sentiu a lâmina do punhal encostada às suas costelas, escondida pelo braço de Rafael. Assim atravessaram a praça, de passo apressado e o mais naturalmente possível.
- Deixa-me ir! Prometo que nada conto! - tentou Diana.
- Continua a andar. - respondeu ele, repartindo a sua atenção entre Diana e os aldeões em volta.

Estava habituado a não deixar testemunhas, mas não queria mal a Diana. Não sabia o que faria depois, mas, naquele momento, o objectivo era distanciar-se o mais possível da praça e das outras pessoas, depressa e sem dar nas vistas.

Ao passar as portas da citadela e se afastarem do caminho principal, Diana pensava que quanto mais se afastassem, mais difícil seria fugir-lhe. Tomou então coragem e libertando suavemente o braço de Rafael, afastou-se da lâmina do seu punhal, correndo o mais que podia de volta ao caminho. Rafael rapidamente a alcançou e imobilizou. Sem pensar duas vezes e embainhando o punhal, agarrou Diana pela cintura colocando-a no seu ombro e segurando-a pelas pernas como se de um saco de bens se tratasse.
- Larga-me! Põe-me no chão! - gritava Diana, investindo nas suas costas com os punhos fechados.

De súbito, um clarão surgiu na mente de Diana, trazendo um torpor. Não conseguia pensar claramente. Fechava os olhos, mas era como se olhasse o sol de frente e a sua luz intensa não permitisse vislumbrar nada em volta. Até tudo ser luz e a sua consciência ceder.

Rafael avançava carregando ao ombro, uma Diana agora adormecida.

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