sábado, 2 de fevereiro de 2013

Sob a Marca do Dragão - Cap. 7 (parte 1 de 2)


O latejar do dragão sob a pele do seu pulso e antebraço chamava a sua razão para a realidade à sua volta. Diana abria os olhos, piscando-os face à luz do dia e recordando o clarão que a tinha deixado desacordada. Olhou em volta e viu Rafael chegando junto a si. Recordou-se da morte que testemunhara e reagiu instintivamente, tentando afastar-se dele. Foi quando notou que as suas mãos e os seus pés estavam atados. Não podia fugir, pensava. Sentia-se alarmada, mas precisava manter a calma para encontrar uma solução. Rafael tinha-lhe dito uma vez que ela o tinha deixado desacordado. Como o teria feito? Ela só se lembrava do grito e da imagem da noite cerrada sem luar!...

Rafael olhava-a, tentando ler os seus pensamentos, mas Diana parecia ter-se prevenido.
- Onde estamos? O que queres de mim?
- Precisava de pensar no que fazer...
- O que vais fazer comigo?
- Não quero fazer-te mal, descansa.
- E porque estou atada?

Diana sentiu-o hesitar antes de responder. Sentia algo de diferente em Rafael, mas não percebia o quê. Também não se sentia mais alarmada, apenas curiosa, o que lhe causava estranheza.
- Precisei afastar-me um pouco... não quis arriscar chegar aqui e não te encontrar. - disse enquanto desembainhava o seu punhal e chegava mais próximo.

Rafael baixou-se e cortou a corda que atava os pés de Diana, aproximando-se de seguida para cortar a que prendia as suas mãos. Cortou-a, mas não se afastou. Continuava a olhar Diana, enquanto o punhal voltava à sua bainha e Diana esfregava os pulsos. Os olhos de Diana pousaram, então, nos seus e ali ficaram por algum tempo.

Diana sentia o seu dragão latejar mais do que alguma vez sentira. Desta vez parecera-lhe ver, pelo canto do olho, o sol do dragão de Rafael reluzir. Olhou o dragão. Nada acontecia, mas voltara a sentir-se alarmada. Voltou a olhar os olhos de Rafael e encontrou-os pousados na sua boca. Rápida e quase instintivamente, Diana desembainhara o punhal de Rafael para o encostar à sua garganta.
Rafael não o esperava, encontrava-se distraído, pensava. Ainda assim, como ela o conseguira fazer sem que ele o antevisse? Não sentia no entanto qualquer agressividade da sua parte.

Diana empunhava o punhal com as duas mãos, empurrando-o ligeiramente para que ele se afastasse. Rafael colocou a sua mão sobre as de Diana e forçando a lâmina contra a sua pele. Diana contraiu os braços de imediato, puxando-o de volta. Rafael sorriu.
- Tu não queres fazer-me mal!
Diana hesitou na resposta.
- Verdade. Não quero. Mas não hesitarei em fazê-lo se necessitar de me proteger!
- Não duvido! - respondeu Rafael sorrindo ao mesmo tempo que levantava as sobrancelhas - Se quisesse fazer-te mal já o teria feito. Não é meu hábito deixar testemunhas!
Dizendo-o, levantou-se, afastando-se dela. Diana continuou de punhal apontado na sua direcção, até considerar que este se encontrava a uma distância segura. Levantou-se, então, baixando o punhal.

- Hábito?! Isso significa que costumas andar por aí a matar pessoas!?...
- É tempo de conheceres mais sobre a responsabilidade dos portadores do dragão...
Diana aguardava, ansiosa, as suas palavras.
- O dragão e os portadores do seu poder servem e guardam a Irmandade do Amparo. A Irmandade cobre-se com os símbolos e roupagem da nova fé, mas o seu verdadeiro objectivo é proteger os conhecimentos dos antigos, o que é perigoso nos tempos que correm. A nós cabe-nos proteger os seus membros e pôr fim às ameaças que sobre eles possam pender. As missões são-nos entregues para serem executadas e não nos cabe a nós avaliar o seu alcance!

Mas Diana não podia evitar avaliar o alcance daquelas palavras e o tipo de missões que seriam encomendadas aos guardiões.
- Cada dragão-elemento fica residente na sua respectiva célula da irmandade - existem 5! O dragão da terra encontra-se na célula que fica a Norte, o dragão do fogo na que fica a Sul, o do ar a Este e da água a Oeste. Os dragões do sol e da lua circulam por todas as células, de acordo com as necessidades, reportando à célula central.
- E que tipo de missão era esta? - perguntou Diana.

Rafael permaneceu alguns momentos em silêncio, pensando no que deveria dizer.
- Este trabalho não foi pedido pela irmandade. - dizia, olhando-a atentamente.

Diana permanecia em silêncio, julgando ter sido um crime a soldo. O que a tinha feito pensar que podia confiar nele? Não se lembrava mais.
- Foi um pedido particular... - continuava ele - de uma mãe que queria ver terminados os abusos constantes a si e às suas filhas, perpetrados por aquele sentinela arrogante!
- E o que recebeste em troca?
- Um medalhão que pode valer uma boa cama... e néctar!
- Essa irmandade não providencia cama e néctar os seus guardiões? 

Acaso a sua expressão não o indicasse, o tom da sua voz deixava transparecer o seu desagrado. Rafael sorriu, aproximando-se e estendendo a mão enquanto olhava o seu punhal, ainda na mão de Diana.
- Como saberei se posso confiar em ti? Ainda há pouco me encontrava de mãos e pés atados!...
- Porventura não te soltei?
- Como posso confiar em alguém que é pago para resolver problemas pelas armas?

Rafael continuou a aproximar-se, chegando junto a si.
- Que risco corro? Tu também tens uma marca da magia na tua pele. Arriscar-te-ias a contar algo?
Diana olhou o seu pulso e ele continuou como se concluísse um outro pensamento.
- Com o poder do dragão da lua!... Chegará o momento em que o teu serviço será cobrado.
Diana permanecia em silêncio. Tal perspectiva deixava os seus cabelos em pé.

Rafael voltou a estender a mão, desta vez junto da sua, e o punhal foi-lhe devolvido, voltando à sua bainha.
- Como posso esconder a minha marca? - perguntou Diana com os olhos postos no seu pulso, afagando-o com a outra mão.

Diana levantou o olhar e observou-o em silêncio, até que ele respondeu.
- Pensa no teu dragão a recolher-se no interior do teu corpo.
Ela desatou o punho, descobriu o pulso e olhou o seu dragão, fixamente, por algum tempo.
- Nada acontece!... - disse finalmente.
- Calma. - respondeu ele, levando a sua mão à de Diana e segurando-a - Fecha os olhos.
Diana olhou-o demoradamente.
- Fecha os olhos! - repetiu.
Decidiu confiar, fechando-os.
- Vê nos teus pensamentos, o teu dragão espreitando através da tua pele. Consegues vê-lo?
Ela anuiu silenciosamente, sentindo a mão de Rafael formigar sob a sua e um estranho formigueiro subindo pelo seu pulso.
- Agora vê-o recuar dessa espécie de janela, para dentro do seu abrigo, recolhendo-se, escondendo-se. Até tu deixas de o ver!
Rafael não precisava perguntar mais nada, podia ver os seus pensamentos e podia ver o dragão da lua desvanecer-se sob a pele do antebraço de Diana.
- Agora que o teu dragão se recolheu às profundezas do seu abrigo, abre calmamente os teus olhos.
Diana abriu os olhos e olhou Rafael. Este sorriu indicando-lhe que olhasse para o seu antebraço. Diana fê-lo e sorriu maravilhada na ausência da sua marca. Voltou a olhar Rafael. Ele devolvia-lhe a atenção. Também podia sentir a energia fresca de Diana.

- Já sabes que consegues e como o podes fazer. – acabou por dizer.
- Consegui porque me ajudaste! Posso senti-lo!
Após um olhar demorado, Rafael largou a sua mão.

- Sentiste a minha energia a ligar-se com a tua. Só potenciei aquilo que se encontra em ti! Tu consegues fazê-lo! O poder do dragão corre nas tuas veias! – Terminou olhando novamente a marca do dragão Diana.

 Diana voltou a olhar a pele do seu pulso e voltou a sorrir pela ausência do seu dragão. Este apareceu de imediato, desvanecendo-se o seu sorriso.
- Vês?! Desapareceu!
- As nossas energias já não estavam ligadas. Eras tu a fazê-lo! Só tens de treinar a tua concentração e confiar em ti mesma.

Na mente de Diana, surgiu uma imagem que lhe era familiar: a de ambos beijando-se, sentindo-se mutuamente. Rafael captara a imagem. Olharam-se demoradamente. Ele aproximou-se ainda mais e, num ímpeto, dirigiu os seus lábios aos dela. Diana respondeu ao seu avanço sem pensar, devolvendo-lhe o beijo. Sentiu não o controlar.

No momento seguinte o seu coração falhou um batimento. Ela assustou-se, mas continuava a sentir que não o conseguia controlar. Sentiu o seu coração falhar nova batida e o ar a deter-se de entrar no seu corpo. Momentos depois o coração voltou a bater e o ar a voltar a entrar, fresco, no seu peito. No momento seguinte nova paragem, sem conseguir respirar, sem conseguir que o sopro vital animasse o seu ser. E, uma vez mais, voltando ao normal. A cada batida que o seu coração falhava e a cada respiração frustrada, o sufoco se tornava maior, o ar mais necessário e as forças iam fraquejando, naquilo que Diana sentia como uma luta entre os dragões, uma luta pelo ar que respiravam e pela vida que fazia com que os seus corações continuassem a bater. Não percebia porque o seu coração ou os seus pulmões pareciam obedecer a esta estranha luta que parecia acontecer apenas na sua mente. Será que era apenas a sua mente? Será que era uma ilusão, fruto da magia? Parecia-lhe deveras real! A cada batida que sentia o seu coração falhar, ela via na sua mente o dragão do sol fortalecer-se. Quando o seu coração batia, parecia travar uma luta interna para recuperar as forças, o ar e a própria vida. A um ritmo que fugia à sua vontade, esta luta arrastou-se por aquilo que lhe pareceu uma eternidade, embora ameaçando o fim a qualquer instante.

Num esforço desesperado e reunindo todas as suas forças, Diana conseguiu afastar-se de Rafael e quebrar aquele beijo que parecia sugar-lhe a vida. Recuperando o fôlego e as forças, olhou então Rafael a uma distância segura. Teria sido imaginação sua? Uma luta entre dragões? Rafael também parecia ofegante! Sentia-se enfraquecida, mas o seu dragão vivo, em si.


Rafael não contava com o que tinha acabado de acontecer, mas pensava que só podia ter a ver com o seu destino mágico.

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